Berkshire
Hathaway e Warren Buffett: avaliando os danos
“A General
Re certamente sai prejudicada. Em outros termos, isto
significa prejuízo certo para a Berkshire”, observou
Neil A. Doherty, professor de Seguros e Gestão de Risco
da Wharton. “Não sei exatamente em que proporção o
escândalo afetaria a Berkshire. O que realmente importa
saber é o grau de distanciamento de Warren Buffett em
relação ao escândalo. Particularmente, não vejo nenhuma
conexão direta aqui.”
Os
problemas envolvendo a Gen Re vêm na esteira de um outro
que é cada vez mais preocupante: a Berkshire poderá
gerar retornos acima da média aos seus acionistas depois
que Warren Buffett, de 74 anos, e responsável pela
direção da empresa há quatro décadas, sair de cena?
Desde 1965, o retorno médio anual da Berkshire sempre
foi cerca de duas vezes superior aos índices registrados
pelo Standard & Poor’s 500.
A Gen Re,
uma empresa colossal de resseguros presente no mundo
todo, é uma das maiores unidades da Berkshire. Em 2000,
a companhia emitiu uma apólice de seguro finito no valor
de 500 milhões de dólares que a AIG utilizou de maneira
indevida com o objetivo de maquiar suas demonstrações
financeiras e inflar o preço de suas ações. O escândalo
obrigou a diretoria da AIG a demover seu presidente e
CEO, Maurice Greenberg. Depois disso, várias outras
manobras contábeis vieram à tona.
Segundo a
AIG, Greenberg teve participação direta na negociação da
apólice finita com a Gen Re. Contudo, não se sabe ao
certo se os executivos desta última sabiam que a AIG
havia maquiado os números da transação — que, em si
mesma, não continha ilegalidade alguma. Tratava-se de um
contrato que, segundo a AIG, nada mais era do que uma
apólice de seguro, quando, na verdade, era de fato um
empréstimo. Em meados de maio, um executivo da Gen Re
foi notificado pelos órgãos reguladores de que seria
indiciado criminalmente. Diante disso, a empresa o
licenciou de suas funções, bem como a um segundo
executivo.
Buffett
foi entrevistado pelas autoridades reguladoras;
entretanto, segundo informações, ele estaria cooperando
com as investigações, e não seria alvo delas. Em uma
declaração expedida em 29 de março, a Berkshire dizia
que “Buffett não fora questionado sobre a maneira como
as transações haviam sido estruturadas; tampouco lhe
perguntaram sobre a utilização ou propósito indevido das
transações”.
Desde fins
de fevereiro, quando a gravidade do escândalo da AIG
começou a tomar corpo, as ações da Berkshire caíram
cerca de 8%, ante 1,6% registrado pelo Standard &
Poor’s 500.
“Creio que
a conclusão depende de fatos ainda não comprovados, como
se costuma dizer nos tribunais”, disse J. David Cummins,
professor de Seguro e Gestão de Risco da Wharton. “Não
temos a mínima idéia da extensão desse escândalo [...]
Se ele se limitar a uma transação apenas, não acredito
que isso possa afundar a empresa ou mesmo afetar suas
receitas. Todavia, se o que se tem agora for apenas a
ponta de um iceberg, então certamente haverá
problemas.”
Jeremy
Siegel, professor de Finanças da Wharton e amigo de
Buffett, acrescentou: “A Gen Re é parte importante da
Berkshire. Creio que Warren seria o primeiro a admitir
que desconhecia todos os problemas da empresa quando a
adquiriu [em 1998] [...] Não há, seguramente, nada que
possa desaboná-lo eticamente nessa questão.”
Investindo
no float
Em 40
anos, Buffett pegou a Berkshire, uma pequena fábrica
têxtil da Nova Inglaterra, e converteu-a em uma holding
gigantesca. Entre as várias empresas de capital aberto
que integram seu portfólio, as maiores participações da
holding, em termos de valor de mercado, concentram-se na
American Express (8,5 bilhões de dólares), Coca-Cola
(8,3 bilhões) e Gillette (4,3 bilhões). Suas maiores
participações, como percentual do capital social em
circulação, concentram-se no Washington Post (18,1%),
Moody’s (16,2%) e White Mountains Insurance (16%). No
total, a Berkshire detém um montante em empresas de
capital aberto que chegava a 37,7 bilhões de dólares em
fins de 2004, de acordo com o relatório anual da
empresa.
Além
disso, a Berkshire possui inúmeras subsidiárias
integrais. Dentre elas, várias seguradoras, cujas
dimensões são avaliadas de acordo com o float — isto é,
pelo volume de dinheiro disponível resultante de prêmios
de seguros pagos pelos clientes e ainda não gastos com o
pagamento de indenizações. Gen Re é a maior subsidiária
do ramo de seguros, com um float total de
23,6 bilhões. Em seguida vem a Berkshire Hataway
Reinsurance (13,9 bilhões) e a Geico Insurance (5,3
bilhões). O float total
dessas e de outras operações de seguros é de cerca de 46
bilhões de dólares.
As
resseguradoras fornecem apólices para outras companhias
de seguros, permitindo-lhes cobrir possíveis
indenizações que, do contrário, seriam pesadas demais
para bancar sozinhas. Seguradoras de todos os tipos
podem obter lucros com intermediação sempre que os
prêmios excederem as indenizações pagas. Via de regra,
porém, grande parte dos lucros das seguradoras advém de
investimentos em float. A
Berkshire recorre a ele para investir em ações e comprar
empresas.
A Gen Re
não é a unidade mais bem-sucedida da Berkshire. Seus
lucros de subscrição foram minguados 3 milhões de
dólares no ano passado, ante 970 milhões e 417 milhões
de dólares obtidos por unidades menores, como a Geico e
Berkshire Hathaway Reinsurance.
Contudo,
em sua carta anual dirigida aos acionistas na primavera,
Buffett atribuía o fraco desempenho da Gen Re a decisões
pouco eficientes tomadas pela empresa antes da
contratação do atual presidente e CEO, Joseph Brandon,
há três anos. “Joe Brandon restaurou na Gen Re a célebre
cultura de subscrição que, durante algum tempo, havia se
perdido”, assinalou Buffett. “Os excelentes resultados
realizados em 2004, porém, foram obscurecidos por
eventos adversos registrados em anos anteriores à
chegada de Brandon.”
O seguro
finito foi negociado com a AIG pelo antecessor de
Brandon. Portanto, toda e qualquer repercussão da
transação realizada não deverá afetar a atual gestão da
empresa. Multas e outras penalidades financeiras também
não deverão causar nenhum prejuízo mais duradouro, uma
vez que a Berkshire tem à sua disposição 43 milhões de
dólares em espécie.
Mas e se a
Gen Re tiver se envolvido em outros tipos de atividades?
“A General Re é uma operação sabidamente conservadora”,
observa Cummins, acrescentando que, diferentemente da
AIG, que tem enfrentado numerosos questionamentos acerca
de suas práticas contábeis e de outras questões ao longo
dos anos, a Gen Re tem a ficha limpa. “Eu ficaria um
tanto surpreso se soubesse que a General Re teve alguma
participação mais séria nisso tudo. Se esse for o único
envolvimento da empresa em práticas irregulares, não
creio que se deva dar maior atenção ao assunto. Acho que
cairá no esquecimento.” Siegel observou que os problemas
empresariais da Gen Re, particularmente aqueles
relacionados com a emissão de apólices arriscadas
demais, revelaram-se, ao que parece, mais graves do que
Buffett imaginava quando comprou a empresa em 1998.
Contudo, acrescentou, “hoje ele conta com uma equipe do
melhor nível.”
Além
disso, não é raro que novas aquisições da Berkshire
apresentem problemas no início de suas operações.
Buffett procura empresas que possa adquirir a preço de
barganha, geralmente companhias enredadas em problemas
diversos que ele considera sanáveis. Depois
que a Berkshire adquiriu a National Indemnity Company,
em 1980, por exemplo, amargou prejuízos nos quatro dos
cinco anos que se seguiram, de acordo com o relatório
anual de 2004 da Berkshire. Depois disso, seguiram-se 16
anos de lucros espetaculares. De 1984 até hoje, a
empresa só teve prejuízo em 2001, quando várias
seguradoras faliram. “Na verdade, se não tivéssemos
feito essa aquisição, a Berkshire teria de se dar por
contente se valesse metade do que vale hoje”, disse
Buffett em recente carta anual dirigida aos
acionistas.
Apesar do
talento genial de Buffett para identificar ações com
grande potencial de sucesso, as ações de empresas de
capital aberto constituem hoje menos da metade do
patrimônio líquido da Berkshire. Além disso, Buffett não
participa mais ativamente desse tipo de transação; de
modo geral, ele só adquire ações que espera conservar
para sempre.
Nos
últimos anos, Buffett tornou-se também um investidor de
peso nos mercados de câmbio. No final de 2004, a
Berkshire possuía 21,4 bilhões de dólares em contratos
em divisas estrangeiras num total de 12 moedas
diferentes. Buffett crê firmemente que o déficit em
conta corrente dos EUA fará o dólar cair. Embora a moeda
americana tenha se valorizado modestamente no ano
passado, gerando com isso um prejuízo de 310 milhões
para quem apostava no contrário, Buffett declarou que
não mudaria de idéia em relação à desvalorização do
dólar.
O “estilo Buffett” de
investir
Aos 74
anos, Buffett diz que goza de excelente saúde e que não
tem planos de se aposentar. Tampouco nomeou um sucessor.
Contudo, se ele deixar efetivamente a empresa, o que
poderia acontecer? Para muita gente, Buffett é a
principal razão do sucesso da Berkshire. “Ele é
seguramente um homem brilhante”, disse Siegel. “Seu
jeito de analisar as coisas é muito racional. Ele não
permite que as emoções interfiram nos
negócios.”
Embora
essa pareça uma atitude sensata, e que todo o mundo
deveria imitar, é muito difícil evitar que a empolgação,
a preocupação e outras emoções não interfiram nas
decisões, acrescentou Siegel. Muitos livros já se
debruçaram sobre o “estilo Buffett” de investir.
Contudo, a exemplo de muita gente de destaque em sua
área de atuação, Buffett tem um talento que não pode ser
engarrafado, disse Siegel, portanto sua saída será sem
dúvida um golpe inevitável. Não há nenhum sucessor
evidente à vista. Seu parceiro de longa data, Charlie
Munger, é mais velho do que ele.
Por outro
lado, várias divisões da Berkshire talvez sigam adiante
com razoável sucesso sem Buffett. Embora ele seja o tipo
de investidor que gosta de pôr a mão na massa,
escolhendo com extrema cautela empresas e ações, não é o
que se poderia chamar de um administrador prático. Sua
estratégia consiste em contratar bons executivos, ou
manter os talentos das empresas que compra. Em seguida,
ele os deixa livres para agir com pouca interferência
por parte do célebre quadro reduzido de profissionais
que administra a sede do grupo.
Com a
saída de Buffett, chegaria ao fim uma série de
aquisições brilhantes. Seja como for, não há muita
novidade nesse setor de atividades da empresa. “Meu
objetivo era fazer aquisições multibilionárias que
acrescentassem uma seqüência de ganhos significativos
aos muitos que já possuímos”, observou Buffett na carta
aos acionistas. “Mas isso não foi possível. Além do
mais, deparei com poucos títulos atraentes à venda.
Assim, a Berkshire terminou o ano com 43 bilhões de
dólares em disponibilidades imediatas.”
Embora
tenha se comprometido a prosseguir na busca de boas
oportunidades, Buffett acrescentou que os retornos
proporcionados pelas ações deverão ser menores no
futuro. Isto significa que os investidores não devem
contar com ganhos significativos por parte da Berkshire
mesmo que Buffett continue à sempre da empresa por mais
algum tempo.
Também não
devem esperar que a idade cada vez mais avançada de
Buffett exerça alguma influência mais determinante sobre
o preço das ações. “Todo o mundo sabe que ele não vai
viver para sempre”, disse Siegel. “Isso é uma coisa que
está embutida no preço [...] Para o mercado, talvez ele
tenha mais uns cinco ou dez anos pela frente [...] Se
soubéssemos que Buffett viveria para sempre, talvez as
ações estivessem cerca de 10% mais caras
hoje.”
|